Entrevista com o secretário de Desenvolvimento Urbano sobre o novo plano diretor de São Paulo

16/10/2014 por Redação SustentArqui

Calçadas, ciclovias, trilhos e hidrovias: um futuro possível para São Paulo.

O secretário de Desenvolvimento Urbano de São Paulo, Fernando de Mello Franco, fala sobre o novo Plano Diretor da cidade e seus reflexos nas ruas e calçadas da metrópole em entrevista para o Portal Mobilize.

Novo plano diretor de São Paulo
O secretário Fernando de Mello Franco durante evento – créditos: Divulgação PMSP

As cidades brasileiras, em especial São Paulo, têm sido feitas pelo mercado imobiliário. O que muda com o novo Plano Diretor?

O mercado tem um protagonismo importante, mas São Paulo é uma cidade muito complexa e há um conjunto de atores nesse processo de construção. Basta lembrar que 30% da cidade foi feita à revelia do mercado formal, pelos próprios moradores, e isso não é pouco. O maior mérito do Plano Diretor é que ele foi construído a partir de uma negociação para construir um pacto social bastante abrangente. Nesse processo nós não buscamos apontar os “culpados” nem os “anjos”. O texto final é a resultante de vários vetores de múltiplos gentes que atuam e interferem nos destinos da cidade. São Paulo não pode ser compreendida se nós não entendermos que a cidade é um complexo palco de disputas.

Em vários momentos, o senhor tem falado que o Plano Diretor busca uma cidade mais humana, mais aberta para os pedestres, mais saudável. Que cidade poderia ser um bom exemplo?

Qualquer grande cidade litorânea tem um calçadão, tem aquela faixa entre a cidade e o mar, que é um espaço público, democrático. Em São Paulo, nós não temos praia e todos os esforços têm que ser dirigidos para duas estratégias: o fortalecimento da rede de parques e espaços livres, e, especialmente, restaurar a dignidade daquele espaço público mais ordinário, que é a rua. E o Plano Diretor tem uma orientação clara para priorizar o transporte público e para favorecer o transporte não motorizado, com a construção de ciclovias e ciclofaixas e a melhoria das condições de circulação para o pedestre, em detrimento do automóvel particular. O Plano Diretor procura estimular que os empreendimentos privados construídos daqui para a frente considerem essas prioridades e não fiquem fechados dentro do lote. Eles não serão mais prédios isolados, mas parte integrante da cidade, abertos para o espaço público, com calçadas mais largas.

Calçadas são um problema e não apenas em São Paulo. Dentro dessa lógica de estimular a ocupação das ruas, há algum plano para a renovação das calçadas da cidade?

No mundo ideal, a prefeitura deveria assumir a construção e manutenção das calçadas em todos os quase 18 mil km de ruas de São Paulo. Mas no mundo real, a situação é muito mais complexa. Isso significaria construir cerca de 36 mil metros quadrados de calçadas, considerando apenas um lado de cada rua. Além disso, há o problema dos cabos, postes, a interferência com a arborização… Os novos corredores de transporte – nos últimos dias foi anunciada a contratação de 60 km – irão contemplar um conjunto de equipamentos, incluindo a calçada, ciclovia, paisagismo e iluminação.

Quem caminha ou pedala pelas cidades do Brasil sofre com o excesso de ruído provocado por motores, buzinas, auto-falantes e outras fontes de poluição acústica. No entanto, toda a estruturação do transporte que vem sendo anunciada pela prefeitura está baseada em BRTs, em corredores de ônibus de grande porte, que são pesados e barulhentos. Como vai ser possível conciliar a almejada humanização desses eixos de mobilidade com o excesso de ruído dos motores? Há alguma alternativa a médio prazo, como os ônibus elétricos ou os VLTs?

Eu concordo que os ônibus com motor díesel, os caminhões e também as motocicletas provocam muita poluição sonora. Penso que isso seja fácil de equacionar e depende apenas de aumentar a capacidade de investimento para trocar o tipo de motorização. Mas eu acho fundamental esclarecer que os eixos de transporte não foram pensados exclusivamente com ônibus, mas com uma articulação de vários modos de transporte, não apenas da gestão municipal, mas também os sistemas sobre trilhos do governo estadual, o monotrilho, o sistema cicloviário, ainda o sistema hidroviário, a requalificação das calçadas e sistemas de compartilhamento de bicicletas e de carros. O texto do plano diretor deixa muito claro que os problemas de mobilidade de São Paulo somente serão equacionados quando todos os sistemas de transporte foram articulados uns aos outros, conforme as suas potencialidades.

Como será tratada a infraestrutura nos miolos de bairros?

Um dos projetos que está sendo encaminhado com muito carinho é o que chamamos “Território CEU”. A gestão atual não construirá mais aqueles conjuntos de edifícios para os centros de educação integrada. Vamos trabalhar com os equipamentos municipais já existentes – escolas, bibliotecas, teatros, parques e centros esportivos – e criar corredores entre eles, permitindo que as crianças circulem pelos bairros utilizando as ruas, que agora serão dotadas de calçadas melhores, ciclovias, paisagismo, sinalização e outros equipamentos. A ideia é renovar os equipamentos existentes, incluir mais alguns e conectar esses centros por meio desses corredores. É isso que chamamos de Território CEU.

A proposta de verticalização tem sido vista com desconfiança por parte da população, que teme a perda da personalidade dos bairros mais horizontalizados. O plano vai significar um freio ou um acelerador para o mercado imobiliário?

Desde o começo das discussões do plano nós defendíamos a ideia de que adensamento e verticalização são conceitos muito distintos. O bairro Real Parque, na zona sul da cidade é um conjunto de torres altas, mas de baixa densidade. O bairro de Paraisópolis, ali ao lado, tem altíssima densidade demográfica sem a verticalização. Nós defendemos o adensamento da cidade ao longo dos eixos de transporte, que serão os locais mais bem dotados de infraestrutura de mobilidade – calçadas, ciclovias, arborização. A ideia é mudar a lógica do uso e da construção da cidade. Mas, por outro lado, concordamos com inúmeros pleitos de associações de moradores que defendem a necessidade de preservação da memória da cidade. Então, nos miolos de bairros, nos estamos limitando o adensamento e restringindo a verticalização para o máximo de oito pavimentos. Isso tudo vai ser detalhado na discussão do zoneamento.

O Plano foi aprovado e as pessoas esperam que essas transformações venham logo. Mas como será o processo de regulamentação dessas diretrizes? Isso vai levar muito tempo?

Uma das grandes diferenças do Plano Diretor atual é que nós partimos do princípio de que suas determinações sejam autoaplicáveis. Em grande parte, as medidas preconizadas já estão em vigor e dispensam uma regulamentação exterior. Há algumas questões, como o parcelamento do solo, o zoneamento, que devem ser decididas dentro de uns seis meses, a partir de uma programação de audiências públicas. Aliás a proposta da nova Lei de Zoneamento já está publicada para discussão.

A experiência de São Paulo pode ser uma referência para outras cidades?

Sim. Nós temos recebido solicitações não apenas de cidades do interior de São Paulo, mas também de capitais para conhecer e discutir o assunto. E temos notícia de que em Belo Horizonte os representantes do mercado imobiliário havaim se afastado das discussões do plano diretor e que após ver a aprovação do plano em São Paulo eles voltaram para a mesa de negociação.

Matéria Original: Mobilize Brasil |  Autor: Marcos de Sousa

 

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