Casa Jave – Um caso de Resiliência Ambiental

21/07/2020 por Redação SustentArqui

Projeto da Casa Jave, localizada em Espumoso, RS foi um dos vencedores do 7º Prêmio Saint-Gobain Habitat Sustentável – Categoria Projeto Residencial.

Projetos residenciais considerados “sustentáveis” normalmente tem em comum o fato de serem produções genéricas, com uma materialidade terrosa, amadeirada e crua.

A ideia principal ao conceber este projeto, estando ele pautado primordialmente em ser um edifício que carrega a eficiência energética, conforto e baixo impacto ambiental como premissas, foi a de contrapor estes moldes de maneira crítica, lançando mão de uma tectônica tecnológica, materialidade sóbria e aspecto minimalista, provando que a arquitetura residencial pode sim, ser eficiente, ter uma baixa pegada de carbono e ao mesmo tempo ser poética, austera e silenciosa.

Os volumes foram dispostos de forma respeitosa em relação à topografia, aproveitando a ravina preexistente no sítio para pousar os blocos sobre o terreno com o mínimo possível de movimentação de terra e impacto na natureza preexistente, criando em conjunto com a materialidade do vidro leitoso, um conjunto arquitetônico de baixo impacto, que estabelece uma relação de simbiose com o ambiente natural do entorno, ao mesmo tempo que usa a abstração formal como ferramenta de composição.

Casa Jave - Um caso de Resiliência Ambiental

A luz foi um elemento chave no projeto, o vidro opaco insulado utilizado na máscara externa, permite que a luminosidade difusa entre através de todas as paredes externas durante o dia e a noite faça o caminho inverso, criando um cubo de luz no meio da noite, ressaltando a vocação do projeto para ser não apenas uma construção, mas também uma experiência de instalação artística para seus usuários.

Para isto a inspiração para o concepção da Casa Jave veio da própria natureza e das paisagens do entorno.

As colinas que durante os invernos rigorosos amanhecem cobertas de branco pela geada trouxeram a ideia de criar um objeto de arquitetura capaz de criar uma relação de mimese com este contexto climático adverso e belo, ao mesmo tempo que usa o branco para refletir a insolação dos verões quentes.

O projeto se destaca por tomar partido de materiais e sistemas vistos com frequência em projetos comerciais, trazendo-os para a escala residencial unifamiliar.

Um exemplo é o sistema duplo de fachada ventilada, uma estratégia de proteção térmica empregada em grandes empreendimentos mas pouco vista em projetos residenciais.

A proposta da casa de ser uma quebra de paradigmas para projetos residenciais considerados sustentáveis, exigiu um intercâmbio de estilos e soluções que fogem do padrão do mercado e tomam partido de materiais que agregam um maior refinamento e tecnologia, como é o caso do vidro Habitat.

Além disso a casa representa um marco nos processos de execução sustentável na região norte do Rio Grande do Sul, sendo a primeira edificação a empregar o sistema BIM para fins de análise de desempenho térmico e também racionalizar os processos de execução que são levados em paralelo com os projetos complementares, evitando desperdícios de recursos.

O edifício se diferencia em termos de sustentabilidade pelo fato de empregar na etapa de projeto, uma fase analítica, em que o edifício é ensaiado, para atestar sua eficiência e entender quais são as suas fragilidades, ainda em tempo de serem corrigidas.

Casa Jave - Um caso de Resiliência Ambiental

Somando à isso o cuidado com a escolha de parceiros que tem os mesmos anseios em termos de tornar o edifício sustentável, com uma execução limpa, trazem o diferencial em termos de tecnologia.

O manejo inteligente e cuidadoso com recursos naturais e energéticos, como o emprego de água de reuso em bacias sanitárias, o uso de fontes energéticas renováveis, o cuidado na escolha de materiais que possuem uma baixa geração de carbono na sua cadeia produtiva e priorização de matéria prima local quando possível, também fazem deste projeto um marco na construção sustentável da região e do estado do RS.

Conforto:

Acústico:

A estratégia principal para proporcionar maior tranquilidade e conforto acústico, veio na desarticulação dos blocos, afastando o bloco social, onde normalmente ocorrem as atividades com maior quantidade de ruído, do bloco íntimo, criando estruturas independentes, para que o ruído de impacto não seja capaz de ser propagado pela estrutura até os dormitórios.

As divisórias internas da residência foram especificadas com composições duplas de drywall, com seções de lã de rocha, de modo a isolar os dormitórios do ruído aéreo e o piso vinílico Weber, do tipo Click com tratamento superficial para minimizar o ruído gerado pela movimentação. Externamente, as maiores fontes de ruído vem das propriedades vizinhas, principalmente em época de colheita.

Para responder à esta problemática, foram então especificados nos dormitórios esquadrias de alta eficiência, capazes de barrar o som externo quando os usuários julgarem necessário. Além disso a massa de vegetação que está sendo proposta, tem também a função minimizar o ruído criado pelo maquinário agrícola das propriedades vizinhas, onde o plantio de Soja e milho ainda ocorre.


Térmico:

O clima na região norte do Rio Grande do sul é o Temperado do tipo Subtropical, classificado como Mesotérmico Úmido (classificação de Köppen) conhecido por ter invernos relativamente rigorosos, com dias de frio intenso, incidência de geada, chuva congelada e, com certa raridade, neve, enquanto no verão, as temperaturas podem passar dos 40°C.

Desta forma, quando utilizada a carta psicrométrica, notou-se que o edifício precisaria ser receptivo à insolação norte-leste, enquanto a oeste esta deveria ser barrada de maneira efetiva.

A estratégia principal é que o edifício seja capaz de receber o aquecimento do sol no inverno, quando o mesmo fica em norte, e priorizando a insolação leste para aquecer o edifício nos primeiros horários da manhã em que as temperaturas são mais baixas.

A dessolidarização das paredes internas das externas foi a estratégia principal utilizada no isolamento térmico e acústico da residência. A “casca” externa, foi criada para servir como uma pele de proteção solar, com painéis de vidro laminado leitoso com acabamento jateado, agindo como uma fachada ventilada externamente.

Já a segunda pele do invólucro, foi idealizada com a utilização de chapas de vidro neutro Incolor, criando uma estrutura que pode ser completamente aberta para a área externa e iluminação natural, barrando o ganho térmico em dias de verão e permitindo a entrada da insolação em dias de inverno devido a posição do edifício no terreno.

A própria topografia favoreceu a proteção solar, com o arrimo estando na face oeste, protegendo a residência do superaquecimento nos dias quentes do verão e fornecendo o calor geotérmico da terra no inverno.

Casa Jave - Um caso de Resiliência Ambiental- canteiro de obras

Visual:

A arquitetura do edifício foi pensada para trazer ao observador a sensação de contato com o etéreo, usando a abstração como ferramenta de composição.

A casa que é uma residência de férias e fins de semana para a família, foi criada para confrontar a arquitetura da residência principal da família em ambiente urbano, propondo um objeto de arquitetura silencioso, que abre mão da ornamentação para permitir o maior contato de seus usuários com a natureza e com eles mesmos.

Saúde:

A iluminação e ventilação natural foram priorizadas em todos os pontos da casa.

Aberturas zenitais foram locadas para trazer o sol para os ambientes interiores e permitir que a luz natural esteja presente em todas os níveis de privacidade e usos do dia-a-dia dos usuários, e o uso das fachadas bioclimáticas ventiladas, permitiu que mesmo os fechamentos opacos, sejam também fontes de iluminação, permitindo que a iluminação difusa penetre nos ambientes internos em tempo integral minimizando também o uso de iluminação artificial durante o dia.

Modular:

O contexto mutável das questões familiares foi o ponto central na hora de criar o layout interno da residência. O casal proprietário possui uma família que aos poucos está crescendo, desta forma, a estratégia foi criar estruturas independentes para as divisórias externas e internas.

setorização casa sustentável

Todas as paredes que dividem os cômodos internos da residência foram especificadas em material leve, com composições duplas de drywall, que podem ser facilmente removidas e realocadas em outras configurações, trazendo flexibilidade de usos, e a utilização do piso flutuante permitiu que a passagem de tubulações seja flexível, facilitando a instalação de novos pontos e alterar os existentes.

Além disso a casa localiza-se em uma área próxima da zona urbana do município e, particularmente, em uma área oposta à passagem do Rio Jacuí, o que significa que, está imediatamente no caminho de uma um processo de urbanização, uma residência de campo, que em 20 ou 30 anos deixaria de ser de campo, se não fosse pela proposição dos novos clusters de vegetação.

Inovação e Processos de Construção Sustentável:

Os métodos construtivos propostos, foram pensados para que a logística fosse simplificada e os materiais pudessem, no longo prazo, integrarem-se ao entorno.

Desta forma, foi priorizado o emprego de estrutura metálica em todos os pontos possíveis, e, nos pontos onde a materialidade do concreto era mais desejável, foi especificado o concreto autolimpante.

Este tipo de concreto é fabricado contendo como aditivo principal o dióxido de titânio, que ao reagir com os raios UV, libera radicais livres que reagem com gases como o Monóxido de Carbono, retirando do ar diariamente, o equivalente à emissão de 24 carros populares.

O concreto produzido pela construção civil é atualmente um dos maiores consumidores de água potável, e geradores de resido do mundo, dando forma à estruturas com um ciclo não-sustentável que não deixam espaço para reciclagem.

Este foi o motivo principal ao optar por uma arquitetura com uma quantidade reduzida de concreto, dando ênfase em sistemas estruturais metálicos e materiais de construção com reciclagem simplificada.

Todos os resíduos de ordem não-biodegradável gerados dentro do canteiro terão a logística reversa como base fundamental, sendo retornados para os fornecedores parceiros, que foram escolhidos de modo a oferecerem serviços de tratamento e reciclagem de material e resíduos.

Casa Jave - Um caso de Resiliência Ambiental- canteiro de obras

Sustentabilidade e resiliência ambiental da Casa Jave:

Manejo Sustentável de solos e resiliência ambiental:

O engenheiro ambiental consultor, após análises da área e do orçamento inicial disponível, decidiu que seriam propostos inicialmente três clusters de reflorestamento, que devem ser expandidos anualmente, tendo em um prazo de até 8 anos, recoberto completamente o solo com mata nativa.

A ideia central, é manter a propriedade como um santuário, tendo as áreas anteriormente ocupadas pela criação de gado leiteiro e plantio de soja, reocupadas por espécies nativas, dando o tratamento adequado ao solo.

Um dos pontos mais críticos a serem tratados na fase de projeto, foi a existência de uma área extensa de alagado, que se encontra atualmente em processo de degradação, tendo sido ocupada por animais domésticos por um longo período, mesmo sendo um habitat de espécies nativas que dependem dos recursos ali presentes.

Desta forma, o cluster 1, de reflorestamento, foi o locado na adjacência destas áreas alagáveis, agindo de maneira ciliar e estimulando o retorno dos animais para a área.

Fitoremediação

Uma vasta porção da propriedade era via de passagem para os animais de produção de leite, que durante décadas pisotearam o solo, compactando-o e impedindo o crescimento de cobertura vegetal.

Por conta disso, a terra de “potreiro” como chamam os produtores rurais locais, é considerada de pouco valor, pelo fato de não poder ser cutilada e por ser um solo pobre devido aos anos de cultivo de pastagem sem rotação de culturas.

Para poder viabilizar a instauração dos clusters de reflorestamento, nesta área foram idealizados processos de tratamento, remineralização dos solos e posteriormente, um projeto de fitoremediação, para que a cobertura vegetal possa retomar esta área integralmente ao mesmo tempo que trata o solo, purificando-o.

Manejo de efluentes.

A proximidade da residência com mananciais e com o rio mangueirão exigiu um cuidado especial em relação ao tratamento das águas cinzas e negras.

Tendo sido avaliadas inúmeras opções, como a do circulo de bananeiras e tratamentos químicos, acabamos por escolher a decomposição anaeróbia, aproveitando o desnível topográfico para levar os efluentes até o ponto especificado para serem instalados os tanques.

A água então passa por uma bateria de processos de filtragem, removendo óleos, da água proveniente da pia da cozinha, e depois direcionando as águas para os tanques em que a matéria orgânica é decomposta e a água filtrada permitindo que a água retorne para o reservatório de reuso, e o excedente, seja retornado ao ambiente sem risco de contaminação para os cursos d’água e para os solos.

Captação de água da chuva

O projeto de instalações da residência incluiu a captação das águas pluviais provenientes dos ralos do de drenagem do telhado verde.

A água captada é levada pelo sistema de tubulações passando por processo de filtragem primário e sendo depositado no reservatório inferior, e posteriormente após o processo de decantação, bombeado para o reservatório superior de águas de reuso sendo utilizado nas descargas das bacias sanitárias.

Design de baixo impacto

A região conta com uma incidência de ventos constante, favorável para a geração de energia eólica, mas também, responsável por um considerável aumento nas cargas sobre a estrutura.

Para minimizar perigos de de arrancamento e danos estruturais, a estrutura teve suas menores fachadas voltadas para a direção leste, de onde provém os ventos predominantes da região e teve as arestas arredondadas, utilizando a aerodinâmica para minimizar as cargas geradas pelos ventos.

Geotermia e aquecimento da água.

Um dos antigos poços de coleta de águas foi utilizado no abastecimento da residência viabilizando o uso de geotermia no controle da temperatura da água.

O solo tem como propriedade conhecida a de possuir uma temperatura relativamente estável independente de estações do ano. Em profundidades próximas a 3m o a temperatura média é de 22ºC, sendo assim, a água ao ser retirada do lençol freático já estaria em um temperatura agradável tanto para meses quentes quanto em meses de frio intenso.

Desta forma, ao invés de mantermos uma tubulação comum direta até o reservatório superior, utilizamos uma serpentina após a bomba, que permite que a água troque calor com o solo, sendo levada para o reservatório de água potável no superior da residência, feito em aço inoxidável, mantendo a temperatura da água por mais tempo, diminuindo a necessidade de aquecimento.

Para os chuveiros, o aquecimento da água se dá através da energia solar, sendo o aquecimento à gás, reservado pura e completamente para momentos emergências ou épocas com níveis muito baixos de temperatura e/ou incidência solar.

Posição solar e tratamentos de fachada

A edificação foi pensada para fornecer a proteção necessária para a edificação ao mesmo tempo que permite o máximo possível de iluminação natural indireta no interior do edifício.

Para isto, a estrutura externa que reveste a casa foi feita usando uma composição dupla de vidros de alta eficiência, eliminando o uso do concreto. Externamente, com o uso dos vidros Cebrace Habitat com adesivagem branca opaca na face norte, e na fachada sul, em que a insolação é reduzida, vidros laminados Cebrace, com superfície jateada e adesivagem branca.

Na pele interna de fechamentos, foram utilizadas esquadrias piso-teto, com folhas de vidro neutro incolor. Esta composição dupla de vidros de alta eficiência, isola a residência completamente em dias de temperaturas extremas, ao mesmo tempo que permite que a casa seja quase completamente aberta em dias de temperaturas amenas, permitindo a entrada do sol a norte e leste e da ventilação cruzada em todos os cômodos de longa permanência.

A posição do edifício no terreno, viabilizou voltar ambientes sociais e íntimos todos para norte, reservando para sul, apenas ambientes de circulação.

Bioengenharia e contenções de Terra

O locar escolhido para implantação do edifício é uma grande cicatriz criada pelo empobrecimento do solo e do uso do mesmo para pastagens, uma ravina criada pelos anos de processos erosivos.

Desta forma, o terreno precisou ser remediado e soluções para a contensão da terra precisaram ser criadas.

A ideia de manter o mínimo possível de impacto na natureza e o mínimo possível de uso de materiais de difícil decomposição, trouxeram a idéia de usar a bioengenharia para resolver a questão, com a implantação do capim vetiver, uma espécie de gramínea exótica, com raízes extremamente profundas e com longevidade de por volta de 100 anos, conhecidas por conterem solos sem a necessidade de nenhum tipo de estrutura auxiliar.

Ilhas de calor e eficiência da fachada

Através do uso de software de simulação, foi possível constatar que a estratégia de posicionamento da residência seria efetiva em manter o conforto térmico dos ambientes dando maiores diretrizes de quais seriam os elementos estruturais a serem protegidos de modo a tornar a edificação eficiente.

A cobertura seria a maior vilã, recebendo insolação o ano todo, desta forma, foi especificada a laje metálica com cobertura verde, capaz de barrar o ganho térmico no verão e manter a temperatura interna da casa nos meses de inverno.

detalhe telhado verde com estrutura metálica
Detalhe laje metálica com cobertura verde

Para a fachada, além da posição solar favorável, que permite insolação em áreas de longa permanência apenas no inverno, foi criado um elemento duplo, que, quando fechado barra a insolação e atua como uma fachada ventilada, e quando aberto, em dias de temperaturas amenas, permite a ventilação e iluminação natural em todos os cômodos.

Processos de execução sustentável

A busca de teorias de desenvolvimento sustentável trouxe para os diversos setores da sociedade e da economia, conceitos do pensamento ecológico.

Um dos principais é o de pensar globalmente e agir localmente (Agenda 21 – ECO92, 1992).

Este conceito contribui para o entendimento da sustentabilidade como um processo holístico, que integra vários outros processos que usualmente, não são vistos

Uma residência moldada pelas estações do ano.

A setorização e a distribuição dos usos da casa Jave, foram guiados principalmente pela forma como as pessoas ocupam suas casa durante as diferentes estações do ano.

No pavimento superior, onde fica o acesso principal, é onde ficam os cômodos do setor íntimo, com as suítes, um estar íntimo, lavanderia e uma pequena copa.

A ideia é que no inverno, os usuários tenham tudo oque for necessário para ficarem confortáveis na parte superior, sem precisar fazer usos intenso do pavimento inferior, e consequentemente, sem gerar gastos com aquecimento e iluminação nos ambientes sociais, reduzindo o gasto energético da casa em 30%.

Já no verão, a residência foi pensada para que ocorra o processo inverso, com uma ocupação mais intensa no pavimento inferior, próximo a piscina, reduzindo o uso de climatização nos pavimentos superiores.

Texto e fotos enviados pelo Arquiteto Leonardo Zanatta – Instagram @_leonardozanatta

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