Uso da taipa de pilão na Austrália e as diferenças para o método tradicional

14/08/2017 por Redação SustentArqui

O uso e o desenvolvimento atuais da taipa de pilão na Austrália, mais precisamente, em experiências vivenciadas e desenvolvidas em Melbourne, estado de Victoria.

A vasta produção de construções com terra atualmente na Austrália tem suas origens na segunda metade do século XIX, quando a taipa se torna uma técnica extremamente popular em inúmeras regiões da Austrália, essa recente produção arquitetônica com terra tem prosperado talvez pela falta de história do uso da terra em construções, o que difere de outros países onde se relaciona ao patrimônio histórico e edificações precárias ou de baixa renda.

“Apesar de existirem outras técnicas em terra neste país, como o adobe, os blocos cortados e as técnicas mistas, é fato que a taipa de pilão predomina na arquitetura contemporânea australiana, resultando em um dos países que mais investiu na regulamentação, na investigação universitária e na implementação atual de inúmeros projetos” (FERNANDES et al., p.20, 2013).

Sobre a produção da taipa de pilão na Austrália:

Para iniciar a discussão sobre a produção da taipa é preciso atentar-se para uma cadeia produtiva que está estruturada em três fatores aqui ressaltados:

  • obtenção do material
  • fabricação da forma
  • expertise dos técnicos e construtores.

Esses últimos dois pontos estão relacionados de modo inextrincável, pois foi a partir da prática de construtores e técnicos que houve o desenvolvimento do sistema construtivo, resultando na alteração da fabricação e concepção das fôrmas, componente central para a produção de paredes em taipa.

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Atualmente, muitos arquitetos e engenheiros australianos já sabem como projetar e calcular para o uso da taipa, o que fomenta e amplia a produção, e consequentemente, possibilita que mais construtores saibam como trabalhar, e mais produtos e equipamentos relacionados a produção da taipa possam se aprimorar para a otimização da produção desta técnica, que pode ser destacado como importante contribuição da prática australiana.

Sobre a obtenção do material de construção, a terra, é importante pontuar que não se restringe apenas àquela presente no canteiro de obras.

Na Austrália os fornecedores de solo e agregados de construção, geralmente empresas com função de fornecer material para pavimentação de vias e rodovias, localizadas nas intermediações entre campo e cidade, são responsáveis também por providenciar material para a produção da taipa.

Essas empresas fornecem diferentes tipos de agregados, geralmente tipos de cascalho, sedimentos de rochas, barro arenoso e argiloso com diversas granulometrias, além de triturarem e reutilizarem concreto e tijolos maciços.

A diversidade e disponibilidade de solos e agregados são fundamentais para a produção e difusão das paredes de taipa.

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Depois de se observar a obtenção do material e ponderar sinteticamente sobre sua execução, concentra-se nas especificidades das formas usadas para a execução das paredes, pois estas são diferentes das destinadas à construção em concreto armado.

Geralmente, as formas em questão são produzidas pelos próprios construtores toda em madeira ou com um esqueleto metálico, conforme se verá de forma detalhada no item a seguir. (Figura 2). Além de uma imagem ilustrativa dos principais instrumentos e ferramentas necessárias para a realização da obra.

uso da taipa de pilão na austrália
Figura 1. Equipamentos necessários para a execução da taipa de pilão com terra estabilizada
(Foto: Oliver Petrovic, 2014). Fonte: arquivo pessoal.
formas metalicas para taipa
Figuras 2 e 3. Fabricação de formas metálicas e utilização das formas na execução (Fotos: Rodrigo Rocha, 2015). Fonte: arquivo pessoal.

Diferenças entre o uso da taipa de pilão na Austrália e o método tradicional:

O método de construção da taipa de pilão na Austrália com terra estabilizada traz alterações importantes se comparada com a técnica tradicional de se construir com terra apiloada.

Destacam-se dois pontos principais: a estabilização da terra e a fabricação das formas, sem contar a compactação mecanizada que confere efetividade e adequação a produção contemporânea.

O procedimento tradicional para a execução de obras em terra compactada é feito a partir de fôrmas de madeira travadas por guias verticais externas, fixas ou móveis, preenchidas com uma mistura de solo com estabilizantes naturais, a argila já presente no solo utilizado ou a cal.

Já a prática australiana além de utilizar cimento como principal estabilizante, utiliza travamento horizontal das fôrmas metálicas, não havendo necessidade do uso de guias externas para seu travamento.

Isso permite ao construtor apiloar o material de fora, sobre plataformas metálicas apoiadas em cantoneiras também metálicas engastadas nas próprias fôrmas.

Essa alteração traz importantes mudanças para o sistema construtivo de taipa de pilão, pois confere agilidade ao processo de construção, possibilitando um trabalho contínuo e eficiente.

Uma outra alteração, em termos estéticos e econômicos, está no fato de que com essas fôrmas as paredes podem ter até 20 cm de espessura, mais esbeltas do que as realizadas pela técnica tradicional, geralmente com um mínimo de 30 cm.

Há também mudança na concepção e desempenho estrutural da parede. Na técnica tradicional a terra apiloada se mantém por seu peso próprio, pois a resistência da parede está na grande inércia de sua massa, sendo assim, resiste apenas aos esforços de compressão.

Já na prática contemporânea a parede de taipa passa a funcionar de outra maneira, ela é resistente a tração, que varia de quando está somente estabilizada com cimento ou ainda armada com barras de aço, o que proporciona um aumento considerável de sua resistência a outros esforços, como veremos a seguir.

Mistura e massa ideais – os tipos de terra e o uso do cimento e da água:
A estabilização da taipa de pilão com o uso de cimento possibilita aplicação em ambientes externos, assim como elimina a necessidade de se rebocar ou revestir a parede.

De acordo com Daniela Ciancio e Christopher Beckett (2015), a quantidade aceitável é de 5% a 15% de cimento, em termos de garantia de esforços estruturais, longevidade, estabilização e capacidade de suportar cargas em compressão.

Segundo Steve Dobson (2015), o teor de umidade é relativo ao tipo de mistura e compactação, objetivando a máxima densidade seca para se garantir uma resistência à compressão de 2,5 a 5 MPa (25 a 50 kgf/cm²), o suficiente para utilizar a Taipa como alvenaria de vedação, de acordo com George Frederick Middleton (1992).

uso da taipa de pilão na austrália
Figura 4. Exemplo de parede curva armada com poliestireno extrudado, resistência térmica de 2,5 m² K/W, viga de Taipa armada com fita de espuma de EPDM expandido com junta de dilatação.
(Fotos: Oliver Petrovic e Rodrigo Rocha, 2014). Fonte: arquivo pessoal.

Os tipos de solos utilizados na Austrália variam de acordo com as necessidades do projeto e da utilização das paredes, de acordo com Middleton G. F (1992) normalmente se utilizam um ou dois tipos de solos, sendo estes com máximo de 2% de matéria orgânica, livre de folhas e gravetos, entre 5 e 20% de argila, incluindo barro e silte, mínimo de 30% de areia e pedras não superiores a 40 mm e um teor de umidade entre 4 e 12%.

Em alguns casos utiliza-se também concreto triturado, assim como tijolos maciços triturados como agregados, materiais provenientes de desperdícios e restos de construções convencionais.

Alguns detalhes de projeto:

Conhecer as possibilidades e saber projetar para Taipa de pilão é essencial para um projeto adequado às necessidades e às capacidades da técnica, que se assemelha ao concreto armado, pois se trata de paredes autoportantes, com propriedades estruturais suficientes para suportar cargas de compressão.

De acordo com Ciancio e Beckett (2015), essa técnica atinge cerca de 1 MPa (10 kgf/cm2) a 47 MPa (470 kgf/cm2), variação dada pela granulometria dos agregados, pressão de compactação e quantidade de cimento e água no traço.
A utilização de perfil metálico em “T” possibilita vãos de até 10 m (figuras 5 e 6). Para vãos com até 4 m sugere-se utilizar apenas dois vergalhões de aço de 12 mm a cada 20 cm na horizontal, conectando as paredes laterais e suportando o movimento de tração da viga (figura 4).

uso da taipa
Figura 5 – Execução de Taipa de pilão sobre viga metálica em “T” e colunas metálicas embutidas.
(Fotos: Rodrigo Rocha e Oliver Petrovic, 2014). Fonte: arquivo pessoal.
uso da taipa de pilão na austrália
Figura 6 – Exemplos de execução de vigas de Taipa acima de vigas metálicas em “T”
(Fonte: Rodrigo Rocha, 2015).Fonte: arquivo pessoal.

Com um projeto executivo finalizado é possível executar as instalações elétricas e hidráulicas dentro das paredes, porém qualquer alteração futura torna-se inviável, como mostra a Figura 7.

Ligações com vigas e pilares estruturais possibilita a terra estabilizada interagir com outros materiais como aço e madeira, assim como com outras técnicas construtivas no caso do concreto armado, conforme ilustra a Figura 8.

uso da taipa
Figura 7. Exemplos de detalhes de instalação elétrica embutida, coluna metálica embutida e contraste com aço corten (Foto: Rodrigo Rocha, 2015) Fonte: arquivo pessoal.
 taipa de pilão na austrália
Figura 8. Exemplos de conexões de piso em madeira e viga metálica para cobertura
(Fotos: Oliver Petrovic, 2014.)Fonte: arquivo pessoal.

Sobre a execução:

A execução pode ser entendida como simples e pode ser descrita de maneira resumida por um sistema construtivo que envolve apenas quatro construtores no canteiro: dois profissionais com experiência em carpintaria, alvenaria e concreto armado, e os outros dois podendo ser iniciantes.

Faz-se necessário ressaltar a importância da etapa de projeto, que define a paginação das formas e distância entre juntas de dilatação, além de resolver detalhes arquitetônicos, conexões estruturais, elétricas e hidráulicas.

De maneira simplificada, a execução da taipa pode ser descrita em duas etapas:

Na primeira etapa é feita a montagem das formas para todo o material de preenchimento ser colocado em camadas, que serão apiloadas até uma altura de 15 a 20 centímetros sucessivamente, até se atingir a altura final da parede.

Percebe-se que a altura das camadas define a quantidade de linhas de compactação, evidentes na face da parede, conforme ilustra a Figura 1.

A segunda etapa ocorre no dia seguinte, quando é realizada a retirada das formas, ou a desforma, que marca o início do processo de cura da parede. Após esta última etapa, não há a necessidade de fazer qualquer acabamento ou impermeabilização de paredes, apesar de ser recorrente a aplicação de duas demãos de hidrofugante transparente em suas faces acabadas.

uso da taipa
Figura 9. Tipos diferentes de terra estabilizada compactada na fachada da construtora
Olnee Constructions (Foto: Rodrigo Rocha, 2015). Fonte: arquivo pessoal.

O tempo de cura da parede vai depender das quantidades de cimento e argila contidas na mistura, assim como condições climáticas locais, estudos comprovam que a taipa de pilão não estabilizada pode levar 2 anos para curar e finalizar a retração, mas com o uso do cimento este tempo diminui para até 30 dias.

Dependendo da quantidade de água na mistura, sugere-se que em épocas ou locais com temperaturas elevadas e umidade relativa do ar baixas, umedecer as paredes nos dias seguintes à desforma, para não ocorrer retrações rápidas e bruscas, o que poderá desencadear fissuras e trincas na parede em função da dilatação da reação química entre os componentes da mistura.

Considerações finais:
O mote deste breve trabalho é o de divulgação de uma possibilidade de se construir com terra atualmente.

Importante frisar que o uso do cimento como estabilizante dificulta o descarte da parede em parte, já que numa cadeia produtiva estruturada, como a australiana, a parede descartada pode ser triturada e reutilizada como agregado para outras finalidades ou mesmo para outras paredes com terra estabilizada.

Espera-se, com este estudo, incentivar a pesquisa e a aplicação desta técnica construtiva no meio acadêmico e profissional, ampliando a utilização da terra crua ou estabilizada como maneira de mitigar o impacto ambiental provocado pela indústria da construção.

Autores do artigo:
Rodrigo Rocha, arquiteto e urbanista, atua como arquiteto projetista na Earth House Australia e Olnee Constructions em Melbourne, Austrália. Graduado pela Escola da Cidade, São Paulo em 2011. Possui formação complementar em Permacultura, PDC realizado na UNESP-Botucatu em 2011.
Pedro Henryque Melo, arquiteto e urbanista, mestrando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Graduado pela Universidade Estadual de Goiás – UEG em 2015. Possui formação complementar em Permacultura, PDC realizado na UNESP-Botucatu em 2011.

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