Entrevista com o bioarquiteto Michel Habib Ghattas
Michel Habib Ghattas é formado pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e estudou bioarquitetura no Instituto TIBÁ, fundado pelo autor do famoso livro Manual do Arquiteto descalço. Foi lá que o arquiteto teve certeza que a bioconstrução seria o caminho a seguir.
Michel atua profissionalmente na área da bioarquitetura e ecologia como transferidor do conhecimento teórico e prático em cursos, workshops e palestras para estudantes, profissionais e simpatizantes da construção civil, difundindo técnicas construtivas com materiais naturais e sistemas de baixo impacto ambiental. Atualmente desenvolve projetos e atividades em parceria com universidades, institutos e empresas.
Conversamos com Michel Habib Ghattas sobre suas experiências em construções ecológicas. Veja a seguir:
– Você se formou numa tradicional faculdade de arquitetura de São Paulo, a FAAP, em que momento despertou interesse pela bioarquitetura?
No ultimo ano da faculdade, quando o trabalho final de graduação virou o ponto alto do curso, eu estava interessado em sistemas construtivos e tecnológicos visando a eficiência energética e comecei a me aprofundar em temas como energia fotovoltaica e tratamento de esgoto para reuso das águas, onde o tema sustentabilidade estava sendo exaustivamente disseminado, porém o meu contato com a bioarquitetura e ecologia iniciou após a conclusão da faculdade quando me inscrevi no “programa de aprendiz” do TIBÁ (Tecnologia Intuitiva e Bio Arquitetura) onde passei um mês vivendo a rotina de uma propriedade rural e aprendendo arquitetura vernacular na prática. Após essa experiência encontrei a bioarquitetura como uma vertente a se seguir.
– Para você, qual a principal vantagem da bioarquitetura?
As vantagens são inúmeras e atuam na economia, conforto e saúde dos usuários e do planeta. Atualmente entendemos ser um projeto de bioarquitetura quando ele responde a três grandes premissas: o uso do conceito e de sistemas construtivos ecologicamente corretos, culturalmente ricos e com atitudes socialmente justas.
É difícil eleger a principal vantagem, acredito que o maior ganho seja mesmo ambiental.
Uma casa deve atender a um sistema construtivo que utilize materiais naturais e/ou materiais industrializados, levando em consideração o impacto ambiental gerado em todo o seu ciclo de vida, da extração ao descarte.
Essa “casa ecológicamente correta” é responsável por seu impacto e deverá, ao longo de sua existência, promover a valorização do entorno, além de ser responsável pela geração de sua energia, tratamento de suas águas, lixos além da qualidade do bem viver de seus usuários.
A bioconstrução atua de forma multidisciplinar, agregando o conhecimento empírico popular aos recursos tecnológicos encontrados nas áreas correlatas (Agronomia, Arquitetura, Biologia, Design, Ecologia, Engenharias e Geologia) com grande potencial em sua viabilidade, aplicação e expansão.
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– Qual a maior dificuldade que você enxerga para a maior disseminação desta prática nos dias de hoje? Sendo uma prática milenar, porque não é ensinada nas universidades de arquitetura?
Os desafios de se trabalhar com esse conceito, são basicamente ignorância cultural, econômica e política. Acredito que o Brasil tenha muito potencial na bioarquitetura, principalmente por estar apto a atender tais, com cultura histórica favorável, abundância de recursos e mão de obra disponível a ser capacitada.
Imagino que esse conceito não é ensinado nas universidades pela falta de interesse e conhecimento dos professores que muitas vezes não valorizam ou desconhecem suas técnicas por não fazer parte de sua realidade profissional.
Os cursos relacionados com a bioarquitetura são oferecidos em universidades no Brasil e exterior como cursos de pós-graduação e com o aumento da demanda novos projetos de mestrado e doutorado têm sido desenvolvido com tal conceito. Nas universidades o papel seria investigar técnicas para a melhoria dos materiais e sistemas construtivos já desenvolvidos de forma artesanal e empírica no passado.
– Você acredita que a bioconstrução poderia ser uma boa alternativa para o déficit habitacional, onde as pessoas poderiam construir suas próprias casas com materiais regionais? Existe algum tipo de incentivo governamental a esta prática? Na legislação, por exemplo, a técnica é regulamentada para construções de moradias tipo Minha Casa Minha Vida?
Com o avanço da tecnologia e o aumento da demanda, o sistema construtivo atual e a utilização dos recursos naturais cresceram de forma desordenada e compulsória. O sistema construtivo praticado hoje se mostra insustentável e incapaz de sanar o atual déficit habitacional. À medida que as pessoas se empoderam das técnicas de bioconstrução naturalmente ela seria replicada pela comunidade, como reflexo do que acorre hoje nos centros urbanos com o sistema construtivo atual.
O incentivo governamental é precário desde a conservação do patrimônio histórico até a disseminação das técnicas e principalmente sobre a educação popular com o intuito de desmistificar os preconceitos em relação as técnicas ecológicas.
Por um lado grandes empresas investem em pesquisa e produção das técnicas altamente lucrativas, independente do impacto causado ao meio ambiente, que vão contra o movimento de pequenas organizações de pesquisa sobre técnicas que utilizem os materiais naturais em seus sistemas construtivos.
Como membro da Rede TerraBrasil, tenho acompanhado o esforço dos profissionais focados na pesquisa, regulamentação e aplicação das técnicas de construção com terra que pela pluralidade dos materiais e suas características regionais é difícil adotar padrões e normas para tais produtos. Como alternativa estão sendo criadas normas de desempenho para que os mesmo possam ser regulamentados e então enquadrados como opção para instituições financeiras e governamentais.
Acredito que o programa Minha Casa Minha Vida seria um forte candidato a adotar esse tipo de construção com a vantagem de poder incluir a comunidade como mão de obra ativa para valorização do bem construído. Apesar de pessoalmente achar as edificações propostas pelo programa insalubres e precárias, entendo que os modelos aplicados se apoiam em materiais e técnicas normalizadas.
– Você acha que existe preconceito em relação a qualidade das construções naturais?
Com certeza, assim como as agencias financiadoras e seguradoras condenam casas pré fabricadas de madeira que foram amplamente comercializadas no passado e seguem edificadas e em uso até hoje, as construções ecológicas seguem técnicas milenares de construção que devido ao uso de materiais naturais, muitas vezes bruto ou manufaturado de forma artesanal sofre do mesmo preconceito que somado ao marketing das grandes industrias se fortalece cada vez mais. Podemos observar isso desde a história dos “Três Porquinhos” onde a única moradia segura era a de tijolo.
Apesar do preconceito social sobre essas técnicas, no Brasil o mercado está favorável, com cada vez mais pessoas interessadas em cuidar do meio ambiente e que inspiram mais pessoas a acreditarem no potencial da bioarquitetura como uma tendência a ser aplicada para o bem de todos.
-Você construiu a sua própria casa ecológica. Qual foi o preço final do m2? Foi mais caro que uma construção tradicional?
Economicamente esse sistema construtivo se nivela com os sistemas atuais de construção, porém adota outra logística de distribuição de recursos, utilizando materiais locais econômicos que acabam revertendo os altos custos de transporte, logística e tributos em incentivo à valorização da mão de obra local e o crescimento sócio econômico regional.
Acredito que temos que analisar o custo de uma obra sob diversos aspectos. Na maioria das vezes, um sistema tecnológico aliado a ecologia está no mercado a custos elevados. Em contrapartida a ecologia combinada com o artesanato, feito por uma mão de obra capacitada, é alcançada muitas vezes com economia financeira. Em uma construção, grande parte do investimento se destina a fase dos acabamentos e em função da oscilação do mercado os custos são variáveis com materiais de mesma função e qualidade. Só como exemplo, o valor dos revestimentos pode variar de R$ 15,00 a R$ 300,00 por metro quadrado.
Outro fator que é pertinente à economia do empreendimento, porém equivalente entre os sistemas construtivos ecológicos ou atuais, é o projeto que a partir de seus desafios e inovações pode aumentar ambos os custos. O trabalho de um profissional especializado no projeto, que pense sobre toda a sua logística construtiva e de manutenção, pode fazer toda a diferença na economia final.
Em minha experiência profissional, uma casa de bioarquitetura, com equivalência na metragem e nos padrões de acabamento, tem o mesmo custo final. Porém cada sistema pode variar seu custo. Para elucidar com o sistema atual de construção, uma residência de mesmo tamanho de alto padrão e uma popular são edificadas com os mesmos materiais como cimento, cal, gesso, tijolos cerâmicos e de concreto, tubulações de PVC, entre outros. Diferente da mão de obra e dos materiais de acabamentos que oscilam seu custo em função de qualidade, segurança e responsabilidade profissional.
Para essa casa em questão o custo foi de R$ 1.800,00 R$/m² incluindo toda a parte de gerenciamento, mão de obra, materiais e serviços terceirizados.
– Falando como usuário, não como arquiteto, qual a maior vantagem de morar numa casa ecológica?
Como usuário dessa construção, posso observar vantagens técnicas como exemplo do conforto ambiental da construção, que propicia uma salubridade do ambiente construído em função da regularidade de temperatura e umidade interna, refletindo diretamente na questão energética e portanto econômica, dispensando sistemas e energia para climatização do ambiente.
Por outro lado, acredito que a maior vantagem é o prazer de habitar uma construção que dia a dia me encanta com seus detalhes, onde cada material utilizado tem sua história e procedência conhecida, tornando a construção única e relevante na vida do morador e sua cultura, além de servir como exemplo positivo para a disseminação do conceito da bioarquitetura.
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